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O ASSÉDIO MORAL NAS FORÇAS ARMADAS

29/05/2019 Voltar

Articulista: Yuri da Silva Guimarães

As arbitrariedades cometidas no intuito de depreciar a dignidade do funcionário, causando-lhe danos, podem ser entendidas como assédio moral, dependendo do contexto. É imprescindível frisar que não é qualquer ato que pode ser considerado como assédio moral, da mesma maneira que não há um número taxativo de hipóteses desencadeadoras desse processo. Assédio moral nas relações de trabalho subordinado ultrapassa as medidas sensatas e aceitáveis no tratamento dispensado ao empregado: é febril, excessivo, discriminatório e degradante atentado contra os direitos humanos. Para, além disso, deturpa o exercício do poder disciplinar. Altera-lhe o destino, desloca-lhe o objetivo. Há nele um abuso da prerrogativa que o direito reconheceu ao empregador. O escopo deste trabalho é mostrar como esse fenômeno pode vir a ocorrer dentro da administração militar à luz de estudos baseados na doutrina, jurisprudência, legislação, entre outros, bem como esclarecer as principais características do assédio moral e os cuidados que o intérprete deve tomar antes de afirmar se houve ou não a caracterização do psicoterror, além de demonstrar quais os direitos do trabalhador que são atingidos e as repercussões que o assédio moral causa.

A Constituição, em seu artigo 142, caput, preconiza, que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Logo, estão na Carta Suprema os princípios norteadores da vida militar, ou seja, a hierarquia e a disciplina.

A Lei Federal n° 6.880, de 09 de dezembro de 1980, publicada no Diário Oficial da União de 11 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, em seu artigo 14 afirma que "A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas". Tais preceitos são conceituados nos parágrafos desse mesmo artigo.
Nesse sentido, SILVA, José Afonso da, 2002, p. 50, esclarece que não se confundem hierarquia e disciplina, mas são termos correlatos, no entendimento de que a disciplina pressupõe relação hierárquica, juridicamente falando, a quem tem poder hierárquico.
O Estatuto dos Militares, no seu artigo 14, parágrafo 3°, assevera que "A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e reformado.

Segundo LOBÃO, Célio, 2004, p. 10, a disciplina militar, sustentáculo maior da hierarquia, constitui um sistema rígido de relacionamento entre os integrantes da organização castrense, com a finalidade precípua de zelar pela manutenção deste segmento hierarquizado da estrutura social do país.

Ressalve-se que a camaradagem está prevista no artigo 3° do Regulamento Disciplinar do Exército-RDE, aprovado pelo Decreto n° 4.346, de 26 de agosto de 2002, publicado no Diário Oficial da União de 27 de agosto de 2002, assim dispondo: "A camaradagem é indispensável à formação e ao convívio da família militar, contribuindo para as melhores relações sociais entre os militares".

Logo, segundo o autor, o companheirismo seria mais um fundamento da vida militar, ou seja, as bases que regem o militarismo seriam a hierarquia, a disciplina e o companheirismo.

No entanto, como se averiguará, essa indagação não é tão verdadeira na prática e, muitas vezes, sequer há relação de companheirismo, principalmente dos superiores junto aos seus subordinados.

De maneira já bem salientada em estudo preliminar, deve-se atentar que não é todo comportamento e atitude que podem ser encarados como assédio moral. Há de se ter o cuidado necessário em cada caso, assim como expõe SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da, 2005, p. 43, [...] os militares, categoria peculiar de trabalhadores públicos, não estão imunes à submissão a um processo de assédio moral [...].

 Ao analisar o fenômeno do assédio moral aplicado aos militares, não há dúvida acerca dos cuidados extremos que se deve adotar, tendo em vista a estrutura personalíssima da carreira militar, fundamentada nos pilares constitucionais da hierarquia e disciplina.
Outro detalhe que também merece atenção é no concernente aos tipos de assédio moral. Como já analisado, existem tipos de assédio moral (ascendente, horizontal, misto e vertical descendente), embora essa não seja uma classificação universal e alguns doutrinadores chegam a considerar que só há assédio moral numa relação de subordinação tendo de existir, necessariamente, relação de poder entre os agentes envolvidos no processo. Este trabalho irá se ater apenas ao assédio moral vertical descendente, até mesmo porque no militarismo dificilmente verificar-se-á outra forma do fenômeno. E na vida militar certamente o exemplo de assediador mais encontrado será o do tirano.

O assédio moral, assim, é uma das consequências, provavelmente a mais evidente, dos excessos que o empregador comumente pratica. Aliás, pode-se asseverar mais: não se trata unicamente de excesso e, sim, de desvio de poder disciplinar. Constitui, incontestavelmente, abuso de poder.
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 
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FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de trabalho. Campinas: Russell, 2004.
 
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