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Comissão em Pauta
A Pandemia gerada pelo alastramento mundial da contaminação pelo vírus COVID-19 trouxe ao mundo jurídico uma série de transformações que chamam à reflexão.
Na área do Direito Consumerista não foi diferente.
Primeiramente, importante superarmos algumas questões que já vem sendo fartamente tratadas por juristas, pela Jurisprudência e por articulistas de toda sorte.
A mais importante delas parece ser a de que os contratos consumados antes do início do período de quarentena, decretados pelas diferentes esferas do Poder Público, continuam tendo sua validade hígida e respeitada, seja pelo princípio do "pacta sunt servanda", seja pelo ato jurídico perfeito de um contrato aperfeiçoado sem vícios de forma ou consentimento.
Ainda que se invoque o "Caso Fortuito" ou a "Força Maior" - figuras expressamente previstas na legislação civil - para enquadrar contratos de toda sorte nesta Pandemia, impossível dissociar o fato de que esta Força Maior atingiria ambos os polos contratuais, merecendo portanto, uma atenção específica da comunidade jurídica, em uma análise que somente pode ser feita à luz do Princípio do Equilíbrio Contratual e da Boa-Fé Objetiva e, até mesmo, da Função Social do Contrato.
Trataremos aqui dos desdobramentos da Medida Provisória 925/2.020 que dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira, em razão da pandemia da covid-19.
Antes de mais nada, cumpre-nos esclarecer que as atividades de aviação civil foram incisivamente atingidas pela Pandemia em razão de sua vasta prestação de serviços, ou seja, por atenderem a milhares de consumidores, bem como pela sua internacionalidade, vez que a prestação de serviços de viagens de passageiros (comerciais, turísticas e de outras naturezas da vida civil), estende-se mundo afora.
O consumidor, que normalmente encontra-se em uma situação privilegiada em face das Companhias Aéreas e Operadoras de Turismo - notadamente pela sua hipossuficiência técnica e financeira - com benesses e mais direitos que obrigações, de repente se vê em uma situação muito mais parelha com o pólo contrário (mas não adverso) deste tipo de contratação.
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) segue em vigor, porém, precisa ser analisada também em conjunto com as novas e emergenciais regulações legais que abordam a matéria.
Como o Estado Brasileiro poderia garantir ao mesmo tempo que todos os cidadãos que precisaram reagendar e cancelar suas viagens, hospedagens, passeios, ingressos de atrações turísticas e todo tipo de despesas contraídas tenham seus direitos amparados, sem causar uma verdadeira catástrofe econômica no setor de Turismo me Hotelaria do país?
A resposta veio na forma da edição da M.P. 925/2.020, mais especificamente no dispositivo do artigo 3º, que prevê:
Em tempos normais, caso o consumidor precisasse reagendar ou cancelar uma viagem por motivo causado pela Operadora ou Companhia Aérea, poderia optar, sem sombra de dúvida, até mesmo pelo reembolso imediato das quantias (dependendo da motivação) e, mesmo nos casos em que ele mesmo tivesse dado azo ao cancelamento da viagem, poderia assim demandar a devolução das quantias, respeitando as multas contratuais em razão de ter dado causa ao fato.
Pois bem. Na hipótese prevista na MP 925, o fator Pandemia é decisivo para a necessidade de se mitigar os prejuízos causados pela verdadeira pane "mundial" financeira, social e é claro, turística, causada pela COVID-19.
A palavra "mitigar", comumente utilizada entre os operadores de direito, nada mais é do que aliviar, aplacar, diminuir e, para o caso da MP 925, evitar a falência da atividade turística e hoteleiro em território nacional.
Para os casos de consumidores que simplesmente queiram alterar a data de suas viagens, basta notificar a companhia ou operadora (por e-mail mesmo) informando o pedido de alteração e já informando a pretensão da nova data ou requerendo voucher ou crédito, a ser utilizado nos próximos meses como veremos a seguir.
No caso do consumidor exigir devolução do que pagou, a situação merece mais cuidados.
De um lado, seria impensável ao mencionado Setor, que já amarga não só a completa parada nas vendas de pacotes e viagens, como também os prejuízos por eventuais devoluções e ressarcimentos, ter que de uma só vez e em curto prazo, desembolsar enormes quantias para compensar os consumidores que decidam optar pela devolução do valor pago e não pelo reagendamento da viagem (opção mais sensata e facilitada neste momento).
A primeira solução encontrada pela MP 925 está no "caput" do artigo 3º que prevê que"o prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses".
A medida busca dar "fôlego" ao Setor, que de forma abrupta e imprevisível, se vê em uma crise sem precedentes, com mais de 80% de queda de faturamento em semanas, além da obrigação de devoluções em larga escala. Assim, a operadora poderá juntamente com o consumidor programar a devolução dos valores desembolsados dentro do prazo previsto (12 meses).
Antes que se invoque em favor do consumidor de maneira indiscriminada e até leviana, a Teoria do Risco do Negócio Comercial, pelo qual o prestador de serviços deveria arcar com situações adversas pelo próprio risco de sua atividade, sem poder repassá-lo ao consumidor, é imprescindível que registremos que, excepcionalmente, tal Teoria não encontraria aplicação para o caso da inadvertida Pandemia.
A aplicação cega da Teoria do Risco do Negócio traria imenso desequilíbrio entre as partes contratantes, vez que a Pandemia atingiu a todos com a mesma força, intensidade e imprevisibilidade.
Tanto é verdade que, a própria MP 925 prevê também que, também em caráter extraordinário, o consumidor que optar por cancelar sua viagem até 31/12/.2020, não deverá ser punido, ainda que a quarentena já tenha cessado e a Pandemia tenha sido debelada (ainda que dependendo de gradações e determinação da Organização Mundial da Saúde).
É exatamente o que dispõe o parágrafo 2º do mesmo Artigo 3º que diz que "Os consumidores ficarão isentos das penalidades contratuais, por meio da aceitação de crédito para utilização no prazo de doze meses, contado da data do voo contratado".
Se o intuito da MP 925 era equilibrar condições em meio ao inesperado, este tipo de igualação de condições é imperioso! A situação nefasta que atinge países de todo o Globo Terrestre, não foi causada nem por empresas, nem por consumidores.
O espírito da Medida Provisória aqui tratada é o de manter o setor da aviação civil e, por extensão, de hotelaria e turismo também, "vivo", ao mesmo tempo em que garante ao consumidor seu direito mais elementar.
Não nos parece razoável neste tipo de relação e de seus consectários tão claros e negociáveis, que se pretenda impor verdadeira "judicialização" da matéria. O Poder Judiciário não precisa ser acionado quando as partes podem claramente chegar a um bom termo, o que foi deveras auxiliado e clareado pela Medida Provisória 925.
É esta, justamente, a maturidade social e jurídica que se espera de um povo.
É indelével que em uma exceção ao que normalmente está acostumado a experimentar sob as asas do Código de Defesa do Consumidor (C.D.C.), este último entenda e aceite o fato de ter que colaborar com o ressarcimento em até 12 meses de seu crédito (caso assim opte), para que a atividade empresarial ora abordada prossiga em um futuro de médio e longo prazo.
Agir com impulsos e radicalismo, com o C.D.C. "em baixo do braço" sem se ater à função social do contrato - que é também a de manter empresas sobrevivendo, empregando pessoas e sustentando famílias - e à necessidade que o próprio Estado sentiu em regular tal casuística, seria agir de forma míope e insensível.
Tanto aos consumidores quanto aos prestadores de serviço e fornecedores de produtos, cabe agora entender que todos perderão um pouco nesta crise, mas se assim a enfrentarmos, todos ganharão muito, em um futuro próximo.