OAB - Santos

OAB - Santos - Principal

AS MEDIDAS DE PREVENÇÃO DE CONTÁGIO PELA COVID-19 E AS RECENTES DETERMINAÇÕES DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

05/07/2020 Voltar

Articulista: Cristhiane Xavier

Em artigo anterior[1], no qual tratamos da responsabilidade civil e criminal do síndico, nos aprofundamos naquele tema demonstrando a legitimidade do síndico para agir em defesa dos interesses comuns do Condomínio, consoante Art. 1.348, inciso II, do Código Civil, sendo possível determinar medidas sanitárias e preventivas e fazê-las cumprir perante condôminos e colaboradores, principalmente durante o período de pandemia que enfrentamos.
 
No mesmo norte, o síndico também responderá em caso de comprovada omissão, tanto na esfera cível, pelo disposto nos artigos 186 e 927 do Código Civil, quanto na esfera criminal, pelo crime previsto no artigo 268 doCódigo Penal, que tipifica como crime contra a saúde pública o descumprimento de determinações do poder público para evitar a propagação de doença contagiosa.
 
Assim, é indiscutível a responsabilidade do síndico no tocante a preservação da saúde dos condôminos e colaboradores e prevenção de contágio pela Covid-19 nas dependências comuns dos condomínios residenciais, e desta responsabilidade seus gestores não poderão se furtar.
 
            Recentemente, com a promulgação da Lei nº 1.410/2020, que determinou o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), alguns temas específicos do Direito Condominial foram visitados pelos legisladores.
Na tentativa de elucidar tais deveres e responsabilidades dos síndicos, e trazer uma maior segurança jurídica para a tomada de decisões quanto ao fechamento de áreas comuns e medidas de prevenção e combate a pandemia, o projeto de Lei, em seus artigos 4º e 11º, tratava da proibição de reuniões presenciais e assembleias, e conferia alguns poderes de decisão e restrições ao Direito de Propriedade dos condôminos em áreas comuns e privativas.
 
Contudo, a lei foi promulgada mediante o veto presidencial aos artigos 4º e 11º, abaixo relacionados:
Art. 4º:
 
"Art. 4º As pessoas jurídicas de direito privado referidas nos incisos I a III do art. 44 do Código Civil deverão observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais até 30 de outubro de 2020, durante a vigência desta Lei, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais."
 
Razões do veto

"A propositura legislativa contraria o interesse público ao gerar insegurança jurídica, uma vez que a matéria encontra-se em desacordo com a recente edição da Medida Provisória 931 de 2.020, o que viola o art. 11, da Lei Complementar nº 95, de 1998. Ademais, o veto não pode abranger apenas parte do dispositivo, no caso a exclusão da menção às sociedades."
 
Art. 11: 

"Art. 11. Em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, além dos poderes conferidos ao síndico pelo art. 1.348 do Código Civil, compete-lhe:

I - restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação pelo coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos;

II - restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.

Parágrafo único. Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias."
 
Razões do veto
"A propositura legislativa, ao conceder poderes excepcionais para os síndicos suspenderem o uso de áreas comuns e particulares, retira a autonomia e a necessidade das deliberações por assembleia, em conformidade com seus estatutos, limitando a vontade coletiva dos condôminos."
 
Na mesma linha, o Governo Federal também se manifestou contrário a inúmeros decretos estaduais e municipais que tratam de medidas restritivas e isolamento social, causando, no âmbito jurídico, incontáveis questionamentos quanto ao acatamento de tais medidas no cerne condominial.
 
Nesse contexto, a mesma Lei nº 1.410/2020 reconheceu a validade jurídica das discussões tomadas pela Assembleia Virtual durante o estado de emergência atual, determinando em seu artigo 5º que a assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.Ainda, no mesmo artigo, em parágrafo único, torna plenamente válida qualquer decisão tomada na Assembleia Virtual, elucidando que: "a manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial."
 
Com isso, ainda que o Código Civil e Código Penal, em regra geral, subsidiem aos síndicos legitimidade legal para o fechamento de áreas comuns e outras medidas que se apresentem urgentes e necessárias em tempos de reconhecida pandemia, é fato que tais vetos poderão gerar uma maior judicialização destas questões, quando os condôminos discordarem, motivadamente ou não, das ações tomadas pelos gestores condominiais.
 
Assim, havendo por parte dos condôminos ou conselho condominial um reconhecido descontentamento com as medidas propostas, ou não havendo consenso entre o síndico e a maioria dos membros da coletividade condominial, o melhor caminho será a realização de Assembleia Virtual para dirimir tais discussões.
 
Ainda assim, em que pese o entendimento do Presidente da República, e os vetos à Lei 1.410/2020, notadamente o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), assegurou aos governos estaduais, distrital e municipal, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios, competência para a adoção ou manutenção de medidas restritivas durante a pandemia da Covid-19, tais como a imposição de distanciamento social, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais, circulação de pessoas, entre outras. A decisão foi referendada pelo Plenário da Corte, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 672, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra atos omissivos e comissivos do Poder Executivo federal, praticados durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia[2].
 
Ipso facto, em consonância às legislações recentes e os Decretos emitidos pelo Governo do Estado de São Paulo regulamentando medidas de distanciamento social, o Prefeito do Município de Santos/SP seguiu na publicação do Decreto Nº 8.976 de 14 de junho de 2020, que estabeleceu protocolo sanitário e diretrizes a serem aplicados pelos síndicos e condôminos nos Condomínios Residenciais da nossa cidade.
 
O Decreto discorre acerca das normas que deverão ser aplicadas aos condomínios residenciais no período da pandemia, e dentre os critérios gerais que compõe o texto, passamos à análise daqueles que certamente determinarão maiores mudanças ao cotidiano dos Síndicos, condôminos e colaboradores, conforme seguem.
 
1º - Regras gerais, definidas tanto ao Condomínio quanto aos moradores:
 
- DISTANCIAMENTO SOCIAL:
 
- Manter a distância mínima entre pessoas de 1,5m (um metro e meio) em todos os ambientes, internos e externos do condomínio, ressalvadas as exceções em razão da especificidade da atividade ou para pessoas que dependam de acompanhamento ou cuidados especiais, tais como crianças de até 12 anos, idosos e pessoas com deficiência. Para familiares e habitantes da mesma residência, a distância mínima entre eles não será aplicável.
- Limitar em 50% a capacidade e ocupação dos elevadores, bem como evitar conversas e contatos pessoais.
 
- Evitar a circulação desnecessária de funcionários e prestadores de serviços nas áreas comuns do condomínio e fora de seus ambientes específicos de trabalho.
 
- Não realizar reuniões presenciais de condomínio. Se necessário, utilizar meios virtuais.
 
 - Desativar ambientes de espera, relaxamento e socialização (lounge). Retirar o mobiliário (cadeiras, bancos, almofadas e outros) em corredores e áreas de descanso. Manter fechados salões de festas e outros espaços de entretenimento que acarretem aglomeração de pessoas.
 
- Suspender a realização de festas, confraternizações, eventos, campanhas, exposições, atrativos infantis e de entretenimento ou qualquer outro tipo de ação que estimule a concentração de pessoas.
 
- Garantir a utilização de academias de forma restrita e consciente, observando as regras pertinentes deste Protocolo. Priorizar a utilização por pessoas com recomendação médica para atividades físicas. Orientar os usuários para utilização em horários diferentes e espaçados. Manter o ambiente limpo, higienizado, arejado e ventilado e evitar o uso de aparelhos de ar-condicionado e demais equipamentos de ventilação forçada. Higienizar adequadamente os aparelhos e equipamentos antes de sua utilização. Não revezar o uso de aparelhos e equipamentos entre usuários.
 
- HIGIENE PESSOAL:
 
- Em ambientes de circulação e áreas comuns, todos os moradores, funcionários e visitantes devem usar máscara facial recomendada pelos órgãos de saúde.
 
- Implantar serviços de triagem para higienização das mãos com álcool em gel 70% e verificação do uso obrigatório de máscaras.
- Instalar dispensadores de álcool em gel 70% na portaria, no hall de elevadores e/ou escadas, áreas comuns e pontos estratégicos e maior circulação de pessoas.
 
- Fornecer alimentos e água potável de modo individualizado. Caso a água seja fornecida em galões, purificadores ou filtros de água, cada pessoa deve ter seu próprio copo.
 
- Orientar os funcionários, colaboradores e prestadores de serviços para que evitem tocar os próprios olhos, boca e nariz e o contato físico com terceiros, tais como beijos, abraços e aperto de mão. Orientar os funcionários, colaboradores e prestadores de serviços para que não compartilhem objetos pessoais e realizem sua higienização adequada. Sempre que possível, o mesmo procedimento deverá ser aplicado para o compartilhamento de objetos de trabalho.
 
- Receber mercadorias com o distanciamento mínimo entre o funcionário interno e a pessoa externa; e após o recebimento das mercadorias, higienizar as mãos com água e sabão ou com álcool em gel 70%.
 
2º - Regras específicas, definidas aos moradores:
 
- ORIENTAÇÕES AOS CONDÔMINOS SOBRE OS PROCEDIMENTOS DE HIGIENE PESSOAL, SANITIZAÇÃO DE AMBIENTES E CUIDADOS EM GERAL:
 
a) retirar as encomendas e correspondências na portaria, mantendo o distanciamento mínimo de 1,5m (um metro e meio), sempre com o uso de máscaras;
 
b) evitar o trânsito e interação de pessoas pelas áreas comuns do condomínio;
 
c) as encomendas, quando possíveis, devem ser higienizadas imediatamente com álcool 70%;
 
d) evitar obras e só manter o trabalho em caso de urgência, para evitar circulação de outras pessoas no prédio;
 
e) recomendar a substituição do capacho por pano úmido com água sanitária ou outro desinfetante equivalente na porta de entrada;
 
f) descartar o resíduo domiciliar em sacos resistentes e descartáveis, acondicionados em duas unidades reforçadas, com enchimento de até dois terços da sua capacidade para reduzir o risco de rompimento;
 
g) evitar, na medida do possível, serviços de delivery/entrega em horários de maior rotatividade de pessoas nas portarias;
 
h) flexibilizar a jornada de trabalho de profissionais domésticos e baby-sitter, para evitar o uso do transporte coletivo em horários de maior concentração de passageiros;
 
i) evitar o passeio de animais de estimação em áreas externas do condomínio, com a opção de uso da área de estacionamento, jardim ou outros espaços reservados;
 
j) orientar sobre a higienização, com água e sabão, das patas dos animais que retornarem de passeios externos.
 
3º - Regras específicas, destinadas aos síndicos e colaboradores:
 
- LIMPEZA E HIGIENIZAÇÃO DE AMBIENTES:
 
- Garantir que todos os funcionários e prestadores de serviços usem EPIs, como luvas, máscaras, touca e aventais de acordo com a atividade a ser realizada.
 
- Disponibilizar, em locais de fácil acesso, pias providas com água corrente, sabonete líquido, toalhas descartáveis, lixeiras com tampa acionada por pedal.
 
- Realizar, duas vezes ao dia, a limpeza dos pisos e mobiliários, com uso de detergentes, desinfetantes e produtos antibactericidas para limpeza e desinfecção.
 
- Higienizar com frequência diária sanitários nas áreas comuns, com profissionais equipados com luva de borracha exclusiva, avental, calça e sapato fechado.
 
- Efetuar a higienização das lixeiras e o descarte do lixo frequentemente e separar o lixo com potencial de contaminação (EPI, luvas, máscaras, etc.) e descartá-lo de forma que não ofereça riscos de contaminação e em local isolado.
 
- Realizar e/ou exigir a higienização de todo material utilizado pelos condôminos, funcionários, colaboradores ou prestadores de serviços.
 
- Disponibilizar lixeira com tampa e com dispositivo que permita a abertura o fechamento sem o uso das mãos (pedal ou outro tipo de dispositivo, como acionamento automático).
 
- Manter higienizados os ambientes de uso comum, incluindo maçanetas, torneiras, porta papel toalha, elevadores, botões de acionamento, corrimãos, guarda-corpos, portas, paredes, bancadas, objetos de uso coletivo e demais superfícies que possibilitam o contato.
 
- Em caso de confirmação de caso de COVID19, isolar os ambientes em que a pessoa infectada transitou até a sua higienização completa. Quando possível, evitar o uso de ar-condicionado. Caso seja a única opção de ventilação, instalar e manter filtros e dutos limpos, além de realizar a manutenção e limpeza mensais do sistema de ar condicionado por meio de PMOC (Plano de Manutenção, Operação e Controle).
 
- Desinfectar bebedouros com álcool 70% com frequência diária, desativando ou substituindo aparelhos que permitem o contato ou a proximidade entre a boca e o dispensador da água.
 
- Demarcar e sinalizar áreas para descarte de lixo e de outros materiais que devem ser higienizados. Evitar qualquer decoração ou adornos que possam prejudicar a limpeza.
 
- Higienizar as entradas e utilizar tapetes antibactericidas. Manter as áreas comuns ventiladas.
 
4º - Regras específicas, definidas aos Síndicos e Gestores:
 
- Organizar ponto de descontaminação na entrada do condomínio para limpeza de bolsas, entrega de máscaras e crachás higienizados.
 
- Nas portarias e áreas de recepção do condomínio, utilizar barreiras físicas ou EPI (equipamento de proteção individual) específico de proteção entre pessoas, no formato de divisórias transparentes ou protetores faciais, sempre que a distância mínima entre pessoas não puder ser mantida.
 
- Suspender temporariamente a realização de simulações de incêndio nas instalações do condomínio.
 
- Na fila dos elevadores, demarcar o chão com espaçamento de 1,5m (um metro e meio).
 
- Não realizar reuniões presenciais de condomínio. Se necessário, utilizar meios virtuais.
 
- Não utilizar o serviço de manobrista.
 
Fatalmente, diante de tantas regras e determinações, e sem discorrer acerca de eventual fiscalização ou sanção, administrativa ou pecuniária, que eventualmente os Condomínios Residenciais poderão sofrer em caso de descumprimento, tal Decreto Municipal acabou por gerar ainda mais dúvidas aos síndicos e condôminos, agindo de forma tardia e muitas vezes propondo medidas incoerentes e de difícil providência no âmbito condominial, vide a liberação de academias, que são ambientes fechados, e o fechamento de áreas de descanso, lounge e outras, que em geral, são abertas e arejadas.
 
Certamente será quase que inviável aos Condomínios Residenciais, de um modo geral, atender de forma integral e inequívoca todas as especificações contidas no Decreto Municipal, sem que para isso os condôminos suportem custos extraordinários, ou os gestores comprometam o caixa ordinário atual.
 
Juridicamente, contudo, entendemos que, diante do entendimento esposado pela Corte Máxima de nosso país, o Decreto Municipal tem força e higidez perante os munícipes para determinar tais ações de enfrentamento da pandemia, e aos síndicos, caberá acatar da melhor forma possível tais restrições e procedimentos, em especial àquelas que disponham medidas de contenção do contágio no seio condominial.
 
Vale ainda sopesar que, em alguns pontos, o Decreto Municipal veio no auxílio dos síndicos respaldando, por exemplo, o fechamento das áreas comuns que gerem aglomeração, o impedimento de obras nas unidades privativas que não decorram de urgência ou emergência, e a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção individual no ambiente interno comum aos condôminos, possibilitando aos síndicos atenderem a tais determinações sem a necessidade de uma Assembleia, seja presencial ou virtual, já que se trata de determinação legal.
 
Concluímos, portanto, que no âmbito do Município de Santos, especificamente, e demais Municípios ou Estados onde o poder Executivo ou Legislativo tenha tratado de regras de distanciamento social e demais a serem implementadas nos Condomínios Residenciais, tais Decretos terão força e legitimidade suficientes para embasarem, por si só, o fechamento de áreas comuns, exigência do uso de máscaras de proteção individual aos condôminos, e qualquer outra medida de enfrentamento da pandemia de que tratem, e caso os síndicos não atentem a tais determinações, o farão sob o risco de uma eventual responsabilização, agindo em desconformidade com os protocolos sanitários e orientações do poder público municipal, o que poderá, sem dúvida, gerar passivos ao Condomínio tanto na esfera administrativa e cível, quanto na esfera trabalhista
.



[1] Artigo publicado em 17.05.2020 - http://www.oabsantos.org.br/comissao-em-pauta/