Dados pessoais são o petróleo da nova era digital, que foi inaugurada com a quarta revolução industrial que incide na aplicação de tecnologias disrputivas que permeiam todos os tecidos sociais, utilizando algoritmos para a execução de tarefas simples como direcionamento impulsionado de campanhas publicitárias, até tomadas de decisões automatizadas para concessão de linhas de crédito e seleção para vagas de emprego.
É como se a profecia de Joseph A. Schumpeter se concretizasse, o capitalismo não é estacionário, ele destrói para construir, condenando ao oblívio as formas mais usuais de prestações de serviços para dar espaço para o que de mais insurgente existe, assim o foi com as videolocadoras, com as editoras de revistas impressas e até com o ramo de livros físicos, que vem sofrendo grandes impactos com advento de ferramentas de leitura digital e com a contrafação virtual de obras protegidas por direitos autorais.
Ocorre que toda [r]evolução desconfigura os antigos paradigmas sociais e políticos, rearranjando as formas de poder e controle dentro da sociedade, deixando os seus usuários vulneráveis e expostos às arbitrariedades advindas desse novo controle social, colocando-os em risco de ter sua privacidade, intimidade e liberdade violadas.
A utilização de dados pessoais claramente aprimora e expande a experiência do usuário em rede, conectando-o com assuntos que possui maior interesse, como por exemplo a utilização de algoritmos para aperfeiçoar a experiência do usuário em plataforma de stream de música, em que as músicas curtidas e a relação de buscas instrui os algoritmos do aplicativo a conectar o usuário com outras bandas as quais possuiria afinidade, ao invés de simplesmente ter acesso ao acervo amplo de músicas do aplicativo, o que tornaria a experiência mais monótona.
É como se uma concessão fosse feita, o usuário abdicaria de uma parcela de sua privacidade, e de certa forma de sua liberdade, para que possa otimizar seu contato com o mundo digital, isso ocorre também com as redes sociais (Facebook, Instagram, Tiktok), com aplicativos de relacionamento (Tinder, Happn, Badoo) e sites de agências de viagens (DECOLAR.COM, Hotel Urbano).
O problema é que a supressão desses direitos não pode ser absoluta, a utilização irrestrita de dados pessoais, inclusive em âmbito governamental, pode ser prejudicial e ameaçar a autonomia mental do usuário, que pode vir a se tornar mera marionete de algoritmos enviesados que o aloca em uma câmara de ecos em que só tem contato com as informações que resultam dos dados que produz.
O tratamento de dados, que inclui coleta e mineração, armazenamento, tratamento e venda, deve ser regulado para que o titular não perca sua autonomia mental e o direito de escolha, além de demais faculdades, como direito à prestação de contas (accountability) acerca dos dados que as empresas possuem a seu respeito e como esses dados estão sendo manipulados, direito à exclusão dos dados que são mantidos a seu respeito, direito ao esquecimento, dentre outra diversa gama de direitos que se desdobram da utilização de dados.
Os usuários precisam estar conscientes dessa realidade e consequentemente dos direitos advindos dela, nenhum serviço prestado na internet é gratuito, se não é pago com moeda corrente, ele é pago de outras formas, como a cessão [in]voluntária de
dados, que ocorre sem mesmo que o titular tenha ciência do que ele está cedendo/abdicando.
Termos de uso e de privacidade são desenhados de forma prolixa para que o usuário aceite sem que compreenda a extensão do que está anuindo. O usuário não sabe, por exemplo, que ao concordar com a utilização de cookies de um site (pequenos arquivos de texto que armazenam por um período o que o usuário está fazendo naquele site, como por exemplo armazenamento de login e senha), pode estar permitindo a coleta de dados pessoais que posteriormente poderão ser utilizados para fins comerciais.
No Brasil passou a viger (18/09/2020) a diretiva sobre proteção de dados (Lei Geral de Proteção de Dados -LGPD), com diversas críticas dos militantes da área e acadêmicos, como a até então inexistente agência reguladora que efetivará a aplicação da norma (Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD), mas é um passo relevante para a educação da população sobre a importância dos dados pessoais, e também um contrapeso à atividade empresarial irrestrita no tocante ao tratamento de dados, aplicando sanções severas em caso de seu descumprimento.
Schumpeter estava correto, o capitalismo não pode ser estacionário, sua evolução é condição essencial para o aprimoramento da experiência do usuário na era digital, mas a destruição criativa não pode ser desenfreada, a privacidade, a autonomia mental, a própria democracia deve ser mantida em seus alicerces básicos, afinal, direitos de dados são, incontestavelmente, direitos humanos.