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Investimento Anjo e Contrato de Investimento Mútuo Conversível

16/02/2021 Voltar

Articulista: Guilherme de Oliveira

Startups são modelos de negócio que se desenvolvem em ambiente de incerteza. Enquanto a ideia não é executada e posta à prova, não é possível saber se ela dará certo, se haverá necessidade de pivotar (ajustar a direção parcial ou totalmente), etc. Até conseguir um product market fit (produto aceito pelo mercado - tradução livre), haverá um árduo processo de tentativa e erro (que deve ser comemorado, já que economiza tempo e recursos). Com trabalho sério, análise de dados, um bom networking, dentre outros fatores, a startup poderá tornar realidade o sonho de vir a ser um unicórnio (ter valor de mercado acima de U$ 1 bilhão).

Pois bem, como visto acima, não se trata de uma jornada simples e linear. Até alcançar seu objetivo, essas empresas passam por muita coisa. É certo que, cedo ou tarde, necessitarão captar recursos externos para prosseguir em sua jornada.

Conforme estudo realizado pela Startup Farm e noticiado pela Época Negócios [1]74% das startups brasileiras fecham após 5 anos de existência e 18% delas, antes mesmo de completar 2 anos.

Seria a falta de investimento disponível um dos principais fatores para percentuais tão elevados de fechamento?
João Kepler, um dos maiores investidores anjo do Brasil, logo na introdução do seu livro Smart Money [2], ensina que:

O principal problema para os investidores não é conseguir dinheiro para investir, mas decidir onde, como e quando investir. Se o match for feito e o interesse despertado, será muito mais fácil resolver essas dúvidas e dar os passos seguintes.

Certamente, além da dificuldade em conseguir o match perfeito com um investidor, existem inúmeras outras causas que podem justificar essa elevada taxa de insucesso.

A fim de ajudar em sua jornada, neste texto, discutiremos sobre o que é um investimento anjo; smart money; contrato de mútuo conversível; e finalizaremos com a análise das razões para captar recursos financeiros no mercado.

Investimento Anjo

Trata-se de pessoas naturais (físicas), normalmente empresários, empreendedores, advogados ou outros profissionais bem sucedidos que investem parte de seus recursos próprios, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de startups e posteriormente receber lucros em uma operação de saída, conhecida no ecossistema como exit (uma próxima rodada de investimento ou venda de cotas/ações).

[1] 

[2]KEPLER, João. Smart Money: a arte de atrair investidores e dinheiro inteligente para seu negócio / João Kepler - São Paulo: Editora Gente, 2018. Pág. 15

Normalmente, em vez de investir todo o seu recurso disponível em apenas uma empresa, um investidor anjo experiente opta por fazer aportes menores em um grupo diversificado de empresas. Desse modo, ainda que a maioria das investidas possa quebrar, aquela uma que der certo não somente cobrirá os gastos com as demais, como dará um bom retorno para o investimento feito (ROI).

Smart Money

No investimento anjo puro, o que importa é o valor aportado, sem que o investidor tenha um relacionamento mais aprofundado com os fundadores da startup. O que diferencia um smart money de um anjo tradicional é o fato de que, além do aporte financeiro, o investidor anjo ajudará a startup com a sua expertise (know how), bem como acionará seus contatos (networking), para que a empresa consiga superar com maior facilidade os obstáculos que aparecerão em sua jornada.

Como você deve ter reparado acima, o smart money é um investimento anjo qualificado pelo know how e networking do investidor. Para alguém que não integra o ecossistema, isso pode não parecer relevante; entretanto, startups que desejam chegar mais longe devem buscar smart money e não apenas investimento anjo.

Obs.: Não é tema deste texto, mas os investidores anjo/smart money podem optar por atuar em grupos, constituindo os famosos fundos de investimento de capital de risco (para cada estágio, existe um tipo de fundo adequado).

Mútuo Conversível

O contrato de mútuo conversível é um dos instrumentos mais utilizados para a consolidação do investimento em startup. Em que pese esse nome pomposo, esse contrato é um híbrido do tradicional empréstimo (em que uma parte cede um valor x para a outra com a expectativa de receber de volta um valor y, que é acrescido de juros e correção monetária) com a opção de compra (paga-se para ter um direito futuro de aquisição societária).

Nessa forma contratual, o investidor reserva para si a escolha se, dentro de um período ou ocorrida alguma condição pré-fixada, cobrará o pagamento da dívida ou converterá o empréstimo em participação societária.

Como consta no livro Direito das Startups [1]:

A vantagem de utilização do mútuo conversível é que o investidor não assume desde o início da operação da startup os riscos relativos às suas atividades. Somente virá a integrar o quadro social em casos previstos contratualmente, via de regra associados a uma situação de prosperidade.

É comum, assim, que a conversão seja operada das seguintes formas: (i) obrigatória e automática, quando há a conversão de outro investimento - de terceiro - que seja de, no mínimo, um valor predeterminado em contrato; (ii) facultativa, a qualquer momento que o investidor desejar, mediante notificação à sociedade.

[3]

FEIGELSON, Bruno. Direito das startups / Bruno Feigelson, Erik Fontenele Nybo e Victor Cabral Fonseca. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Pág. 130.

Ressalte-se que, até que seja realizada a efetiva conversão do mútuo em quotas/ações da empresa, em regra, o investidor não poderá ser responsabilizado por nenhuma dívida que a startup possua e deixe de pagar, uma vez que também será um de seus credores. Assim, caso a empresa venha a falir, o investir anjo terá direito a receber seu crédito antes de qualquer pagamento aos fundadores.

Por outro lado, uma vez efetivada a conversão, o investidor passará de credor para sócio e, neste sentido, passará a responder pelo passivo da startup, sem qualquer direito de receber valores antes dos fundadores (founders) em caso de falência.

Razões para buscar investimentos.

É importante frisar que os fundadores de uma startup não devem captar recursos se a empresa REALMENTE não necessitar. Também não devem esperar a situação ficar complicada para ir ao mercado, pois os investidores provavelmente se aproveitarão da situação para exigir um equity (participação) maior por um aporte, por vezes, menor do que o esperado.

Nesse sentido, antes de buscar recursos, a startup precisa planejar seus próximos passos. Para isso, é preciso entender o momento em que está e onde pretende chegar dentro de 18 meses (tempo médio entre as rodadas de investimento).

A análise de seu momento somente poderá ser realizada de forma eficaz se dados forem analisados. Estamos falando aqui da análise de KPI's (indicadores chave de desempenho), como quantidade de vendas, ticket médio, quanto tempo os clientes permaneceram usando a solução, quantidade de clientes que deixaram de usar etc., dentro de um período determinado. Isso é de extrema importância!

Uma vez identificado que a empresa não conseguirá se manter competitiva sem a injeção de capital, será chegada a hora de ir ao mercado e analisar quem oferece as melhores condições.

Engana-se quem pensa que o investimento anjo ou o smart money seja sempre a melhor solução. Se a empresa conseguir taxas competitivas e a sua projeção de faturamento for adequada, talvez seja melhor contratar um empréstimo bancário, porque poderá se livrar do risco de ter um futuro sócio indesejável.

Enfim, antes de ir atrás de investimentos, arrume a sua casa para entender a sua real situação e somente capte recursos se necessitar, dentro do que for suficiente. Analise todos os cenários possíveis antes de escolher um tipo de investimento.
 
Escrito por Guilherme de Oliveira - Presidente da Comissão Especial de Direito para Startups da OAB Santos. Membro da Comissão Especial de Direito para Startups do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão Estadual de Privacidade e Proteção de Dados da OABSP.