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Comissão em Pauta
A utilização de tecnologias disruptivas vem penetrando todas as camadas da sociedade, alterando como concebemos diversas experiências relacionadas a lazer, educação saúde, entretenimento e diversas outras.
Não difere quanto sua aplicação na esfera produtiva e profissional dos indivíduos, e muita das vezes seus impactos são tidos hora como negativos, hora como positivos. Positivos pois claramente a utilização de tecnologia otimiza a prestação de serviços e/ ou produtos no mercado, melhorando a experiencia e o resultado obtido através da interação com a tecnologia e com seu usuário.
Negativo pois, além de trazer insegurança regulatória, questões acerca dos efeitos colaterais de sua utilização (quem não questionou a autonomia de uma inteligência artificial e até onde esta pode chegar que atire um pendrive), mas sobretudo que a automatização de serviços e setores acarretem na escassez de oportunidades de trabalho e uma onda crescente de desemprego, levantando a seguinte indagação: seremos todos substituídos por máquinas?
Em entrevista dada à Exame, o presidente do Google Larry Page afirmou que que 90% do trabalho feito atualmente por humanos será realizado por robôs nos próximos anos.
A quarta revolução industrial, que acredita-se ainda estar em curso, trouxe como traço forte a automatização e simplificação de custos, a empresa Uber planeja em um futuro próximo substituir motoristas por carros automatizados auto pilotáveis, assim segue a mesma linha o aplicativo do iFood que pretende implementar drones para realizar suas entregas.
Fábricas com suas incontáveis linhas de produção já substituem o trabalho braçal e repetitivo por montagens automatizadas, mas a automatização e aparente automatização de serviços não se resume ao mero trabalho braçal, com advento e desenvolvimento da utilização de Inteligência Artificial e sua capacidade de aprendizado e não supervisionamento garantem a possibilidade de trabalhos intelectuais e intuitivos também serem realizados por máquinas.
Dentro do setor jurídico, aplicativos de I.A. já estão sendo usados em escritórios de advocacia, tendo como função organizar processos internos, fichas de clientes, acompanhar andamentos processuais, e para além dessas funções, aprender comportamentos e modos de prolação de sentença de juízes, para assim antever a probabilidade de sucesso de um litígio.
Ross é a I.A. da IBM que possui a função de facilitar a vida dos escritórios de advocacia. Ross é capaz de entender perguntas em inglês, consegue responder trazendo todo arcabouço legal dividido em tópicos e relevância, levanta decisões relevantes e alerta sobre novos posicionamentos dos tribunais.
A utilização de tecnologia disruptiva dentro de escritórios de advocatícia certamente custa um valor que escapa da alçada de pequenos e médios escritórios, levantando a questão se sua utilização não feriria a paridade de armas entre as partes, quando uma tecnologia faz em minutos o que humanos demoram horas, talvez dias para realizar, como busca jurisprudencial, pesquisar posicionamentos do tribunal julgador, levantamento atualizado de legislação vigente, etc.
Sem contar que a substituição direta do advogado por máquinas fere pressupostos constitucionais e do próprio regimento da OAB, devendo esta se pronunciar acerca de sua possível regulamentação. Ressalta-se aqui que não se deve ser estacionário e burocratizante em relação à evolução da utilização de tecnologia na sociedade, mas esta deve ser utilizada em prol dos usuários, não como um monopólio do capital que cause uma onda de desempregos e acumule riquezas na mão dos detentores dos meios tecnológicos.
A I.A. já vem sendo também implementada e empiricamente testada nos órgãos do Poder Judiciário, tanto como auxiliar da atividade meio quanto da atividade fim. O STJ utiliza a tecnologia do Sócrates, por exemplo, e experimentos vêm sendo feito para poder concluir se I.A. poderia substituir a figura do Juiz Natural, dado o montante de processos existentes, a ineficiência dos órgãos para atendê-los e os custos de aumento de mão de obra para sanar essa defasagem.
A vara de infância e juventude da comarca de Joinville em Santa Catarina, juntamente com a sociedade Neoway Solutions Ltda. realizaram um experimento empírico em que uma I.A., que utiliza um sistema neural de aprendizado, que replica o cérebro humano, intitulada de Deep Machine Learning - DML - foi alimentada com sentenças do período de 2004 a 2011 que tratam de guarda voluntária de menores durante viagem de seus genitores, perfazendo um total de 150 sentenças.
A I.A. aprendeu fundamentos legais, concatenação vernacular do próprio magistrado e forma de prolação de sentença, ao final do experimento não foi possível distinguir a sentença proferida pelo Juiz natural da proferida pela máquina.
O experimento ficou restrito a um número limitado acerca da abrangência de conteúdos aprendidos de forma não supervisionada pela I.A., se mostrando ainda ser uma realidade distante a tecnologia ter a capacidade de substituir integralmente a atividade fim jurisdicional.
A utilização de I.A. no judiciário carece de regulação atual, mas por se tratar de um assunto hodierno e urgente, o próprio CNJ emitiu dois atos administrativos para sua regulação: a resolução 332/2020 e a Portaria 271/2020, que versam na mesma ordem sobre Governança da I.A. no Poder Judiciário e sua utilização.
As duas regulamentações se preocuparam em trazer transparência e prestação de contas em relação aos processos e algoritmos utilizados para que não haja enviesamento da sua utilização, para que todas as partes envolvidas (partes do processo, auditores, servidores e o próprio magistrado) possam entender de forma clara a razão que levou a tomada de decisão automatizada, cabendo o direito de revisão em casos de evidente falha.
Outra preocupação foi a qualificação e a não ostracização da mão de obra humana nos setores em que a tecnologia vem sendo empregada, para que seja um sucedâneo e não uma substituição direta, prezando pelo trabalho e a justiça social.
Ponto final que merece destaque é que os dois atos administrativos regularam a utilização como atividade meio, permitindo tão somente que a tecnologia emitisse minutas de sentença, sujeitas a integral supervisão humana.
A utilização de tecnologias disruptivas em diversos setores é uma realidade hodierna, está sendo utilizada independente de regulamentação, mas que ainda há uma limitação, mesmo que temporária quanto sua abrangência de aplicação.
Dentro do âmbito jurídico não está sendo diferente, tanto em escritórios particulares, quanto como auxiliar dos órgãos públicos do Poder Judiciário a tecnologia já se faz presente, contudo ela não substitui a figura humana, ela vem sendo paulatinamente aplicada, devendo levantar indagações quanto ao seu uso, para que seja usada de forma ética, transparente, evoluindo paralelamente à qualificação da mão de obra, não sendo ainda possível ser utilizada no lugar do homem, mas como otimizador da experiência profissional humana, e sua aplicação deve ser acompanhada, estudada e sempre ser questionada, para que não se instaure uma ditadura das máquinas.